terça-feira, 18 de março de 2008

O Rei da esquina

Leonardo Santos
"O mais otário nessa esquina conserta relógio no escuro, usando uma luva de boxe!". A esquina em questão fica no cruzamento das ruas Barão da Torre e Farme de Amoedo e a frase, dita por Seu Ivan com a autoridade de quem conhece o lugar há mais de 20 anos, oferece uma clara idéia sobre o pessoal que frequenta a área.
O lugar é uma espécie de microcosmo do Rio de Janeiro: vagabundos, playboys, surfistas, turistas e moradores do morro. Todas as noites, essa turba se acotovela diante do balcão do bar Carolice atrás de uma cerveja gelada e alguma badalação. Em um lugar tão movimentado, não é de se estranhar a ocorrência de confusões (já foi palco de muitas polêmicas e até de execuções). Estranho mesmo é encontrar, no meio de tanta gente diferente, um sujeito que responde pela singela alcunha de..."Rei".
Humberto Souza Pereira da Silva, 31 anos, sempre morou no Cantagalo e frequenta a esquina desde seus 9 anos, sempre correndo pela área, em direção a praia, como um menino de rua. Aliás, foi exatamente na rua que nasceu o apelido. Como era sempre o último entre os garotos a voltar pra casa e vivia andando com os mendigos que moravam por ali, ficou conhecido como "Rei Mindi", Rei dos Mendigos. Hoje os dias de menino de rua ficaram para trás: Humberto trabalha como vigia de um condomínio em Ipanema e dá aulas de Jiu-jitsu em uma academia. Ele não é mais menino, mas da rua ele nunca saiu. Virou o Rei da Esquina.
Num primeiro olhar, o apelido parece meio fora de propósito mas, em poucos minutos, fica evidente sua propriedade. Não há ser humano que passe pela esquina sem parar pra falar com ele.

Pré-Natal
Desde o final de 2007, ele é o responsável pela obra "social" mais importante da área: uma vez por mês, ele coordena uma vaquinha para realizar alguma excentricidade gastronômica. A coisa toda nasceu com uma ceia de Pré-Natal com pernil na brasa, frios e outros quitutes natalinos. Seguiu-se outra, de Pré-Reveillon, com Tender, mesa de frutas, frios e Champagne. Desde então, os frequentadores do Carolice já participaram de uma Feijoada (no dia da Final da Taça Guanabara), de uma "Yakisobada" (destaque para o yakisoba com carne de cação e pastéis de camarão com catupiry, feitos pelo sushi-man Batatinha, do restaurante Sushi Búzios) e de uma Sopa de Ervilha, servida, como pede a tradição botequeira dos convivas, em copinhos de plástico. Entre um evento e outro, o tradicional churrasquinho - o "Filé-Folia" - ainda toma conta dos fins de semana da esquina.
Já estão engatilhados para os próximos meses um cozido de verduras e um caldo verde - provavelmente já antecipando a chegada do frio do inverno carioca.
O sucesso já atravessou oceanos e, hoje em dia, é normal que a língua oficial da esquina NÃO SEJA o português. Um hostel instalado alguns metros adiante e que hospeda mensalmente uma quantidade incrível de estrangeiros, aponta o lugar como um dos pontos turísticos prefereciais para seus hóspedes e, desde então, uma verdadeira legião estrangeira invade os banquetes ao ar livre. Todos entrando na vaquinha, porque ali ninguém é bobo.